O
gótico, arte urbana sem deixar de ser religiosa, as referências
medievais sempre permaneceram ligadas ao sagrado, não era arte
exclusivamente eclesiástica. De fato as transformações
sócio-econômicas fizeram dos leigos consumidores de obras de arte,
que precisavam portanto se adequar a essa nova realidade. O
fundamental continuava a ser a arquitetura religiosa, mas as
catedrais góticas contavam, para serem erguidas com a indispensável
colaboração da burguesia local e da monarquia. Portanto atendiam a
necessidades espirituais e práticas diferentes da época anterior.
Como
observou Duby, “O universo deixa de ser um conjunto de sinais onde
o imaginário se perde, reveste-se de uma figura lógica que a
catedral tem por missão reconstituir situando no seu lugar todas as
criaturas visíveis” (49:121).
Expressão
de uma nova sociedade em formação, o gótico estava ligado a
cultura que se desenvolvia nas escolas urbanas, ao pensamento que
redescobrindo a obra de Aristóteles procurava harmonizar fé e
razão. Assim se concebia Deus como a luz (por isso o uso de vitrais)
e se valorizava o seu lado humano (em consequência o culto a
virgem). A natureza passava a ser vista como parte essencial da
criação. Por isso, procurava-se retratá-la com realismo, para
tanto recorrendo-se a observação (através dos sentidos) e a
compreensão (através do realismo) da natureza. Ora, tal postura
revelava tanto uma nova sensibilidade (cuja melhor expressão e São
Francisco) quanto uma nova preocupação intelectual, cuja melhor
expressão é a retomada de Aristóteles. Em suma, o gótico se
colocou exatamente nesse equilíbrio entre coisas tão diferentes
como as representadas pelo sacro e pelo filosófico.
Justamente
por isso não se pode, como já foi feito, reduzir o gótico a
simples materialização da teologia da época. Baltrusaitis mostrou
numa interessante obra, que a arte gótica incorporou monstros de
diferentes tipos e seres acéfalos e multicéfalos da antiguidade,
plantas zoomórficas e animais com corpos de partes trocadas
presentes no Islã, dragões e demônios com seios ou
tromba-de-elefante existentes no imaginário do extremo oriente.
Percebemos
com isso a permanente dualidade da Idade Média, que mesmo nas suas
buscas da realidade, escapa continuamente para regiões longínquas e
quiméricas e conserva até o fim a sua universalidade. Bem
entendido, se tais influências externas ocorreram, foi porque a
psicologia coletiva ocidental podia se conhecer naqueles elementos
provenientes de outras culturas.
Referências: Idade Média - Nascimento do Ocidente - Hilário Franco Junior.