A cidade do Rio de Janeiro tinha o principal porto de exportação e
importação do país e o terceiro porto em importância no continente americano,
depois de Nova York e Buenos Aires. Mais que isso, como capital da república
ela era a vitrine do país. Num momento de intensa demanda de capitais, técnicos
e imigrantes europeus, a cidade deveria operar como um atrativo para os
estrangeiros. Mas ao contrário, ela era acometida por uma serie de endemias,
que assolavam e vitimavam sua população, e eram ainda mais vorazes pra com os
estrangeiros, os quais não dispunham dos anticorpos longamente desenvolvidos
pela população local. Por isso a cidade tinha, desde o início do século XIX, a indesejável reputação
de “tumulo do estrangeiro”.
As autoridades conceberam um plano em três dimensões para enfrentar todos
esses problemas. Executar simultaneamente a modernização do porto, o saneamento
da cidade e a reforma do porto. A reforma urbana coube ao engenheiro urbanista Pereira
Passos, que havia acompanhado a reforma urbana
de Paris sob o comando do Barão de Haussmann. A regeneração se completou no fim
de 1904. Seu marco foi a inauguração da Avenida Central, atual Avenida Rio
Branco, eixo do novo projeto urbanístico da cidade, contemplada com um concurso
de fachadas que a cercou de um décor arquitetônico Art Noveau, em mármore e
cristal, combinando com elegantes lampiões da moderna iluminação elétrica e as
luzes das vitrines das lojas de artigos finos importados. As revistas mundanas
e os colunistas sociais da grande imprensa incitavam a população afluente para
o desfile de modas na grande passarela da avenida, os rapazes no rigor dos
trajes ingleses, as damas exibindo as últimas extravagâncias dos tecidos,
cortes e chapéus franceses.
A atmosfera cosmopolita desceu sobre a cidade renovada era tal que, as
vésperas da Primeira Guerra Mundial, as pessoas ao se cruzarem no grande
bulevar não se cumprimentavam mais à brasileira, mas repetiam uns aos outros:
“Vive La France!”.
No afã do esforço modernizador, as novas elites se empenhavam em reduzir
a complexa realidade social brasileira, singularizada pelas mazelas herdadas do
colonialismo e da escravidão, ao ajustamento em conformidade com padrões
abstratos de gestão social hauridos de modelos europeus ou norte-americanos.
Jürgen Habermas descreveu com muita
clareza como se operou, nas sociedades européias ao longo dos séculos XVII, XVIII e XIX a gênese simultânea do grande publico dos salões,
dos teatros e da imprensa, por um lado e, pelo outro, o processo de
privatização como uma emancipação psicológica da consciência burguesa, derivada
da progressiva autonomia dos indivíduos no mercado capitalista e dos cidadãos
na ordem política representativa. Ambos esses desenvolvimentos tem, portanto,
uma mesma e inseparável raiz histórica, em razão da qual só poderão ser
interpretados em suas relações recíprocas: “assim como a privacidade de um se
funda na dimensão pública do outro, e a subjetividade do individuo privado se refere
desde o inicio à esfera pública”.
Segundo o autor, duas esferas
coexistem na sociedade: o sistema
e o mundo da vida. O sistema
refere-se à 'reprodução material', regida pela lógica instrumental (adequação
de meios a fins), incorporada nas relações hierárquicas (poder político) e de
intercâmbio (economia). O mundo da vida é a esfera de 'reprodução simbólica', da
linguagem, das redes de significados que compõem determinada visão de mundo,
sejam eles referentes aos fatos objetivos, às normas sociais ou aos conteúdos
subjetivos.
A intensificação dos contatos e das trocas internacionais promovida pela
instauração do regime republicano naturalmente acelerou esse curso de
transformações históricas. Na dinâmica da nova ordem, tanto ampliou-se a
construção de uma esfera pública, reforçada pela expansão crescente da imprensa
e das oportunidades de convívio cultural, quanto se agudizaram os sentidos e
valores associados ao desfrute de experiências de privacidade. Esse, contudo, é
o panorama ideal, na medida em que as condições históricas do país tornam tanto
a participação no contexto do espaço público, privilégio de poucos.
A estabilização brasileira assinala uma sincronia com a ordem
internacional. O enriquecimento baseado no crescimento explosivo dos negócios
formou o pano de fundo do que se tornou conhecido como “belos tempos”.
Pereira Passos foi nomeado engenheiro do Ministério do Império em 1874,
cabendo ao mesmo acompanhar todas as obras do governo imperial. Integrou a
comissão que iria apresentar o plano geral de reformulação urbana da capital,
incluindo o alargamento de ruas, construção de grandes avenidas, canalizações
de rios entre outras medidas urbanas e sanitárias. O levantamento realizado de
1875 a 1876 seria a base do futuro plano diretor da cidade, posto em prática na
administração de Passos como prefeito.
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