Aventuras carnavalescas de John
Luccock na Cidade do Rio Grande:
Nos idos de 1808, passando pela cidade do Rio Grande, o inglês John
Luccock teve a ventura de ser colhido pelo demônio carnavalesco –
do que nos fornece risonho depoimento. “Logo depois de nossa
chegada – registra ele em seu diário – entrou a quaresma. Os
três primeiros dias dessa época são sempre destinados a folguedos
entre o povo. A esses dias chamam Entrudo, durante
os quais munem-se
de umas bolinhas ocas feitas de cera colorida, do tamanho e forma de
uma laranja, enchem-nas com água
e lançam-nas uns nos outros até que os combatentes ficam totalmente
molhados. Conjectura-se que essa usança tem origem num dos modos
extravagantes porque os padres comunicavam a água
do batismo a pessoas refratarias a recebê-lo
e, assim, as ganhavam para o reino dos céus. Como quer que seja,
estava em grande moda, pela mesma época, uma outra graçola que
dificilmente poderá filiar à origem religiosa. Enchiam de farinha
de trigo uns cartuchos de
papel e se emboscavam à espera do pobre negro distraído
para, de supetão,
branqueá-lo
da cabeça aos pés.
No
dia em que se iniciaram esses recreios, indo nós, ingleses, a
cavalo, em demanda da casa de um espanhol, cerca de três
milhas da cidade, tomamos por atalhos na esperança de cortar o banho
a que todos estavam igualmente expostos. Não
tínhamos,
entretanto, caminhado muito, quando fomos assediados com uma chuva de
bolas que nos puseram em franca debandada. Minha montaria era a
melhor do que a de meus companheiros. Fujo
a galope e, olhando para trás,
vejo um de nossos homens já apeado, a quem rudemente esmurravam. E
devo confessar que ele bem merecia o castigo por se ter deixado
exasperar, a ponto de responder às balas de água
com projeteis assaz impróprios!
Reconstituindo o grupo, eu, uma vez
mais, fui indo na dianteira e assim cortei muitos tiros avulsos, mas
nem bem chegava à Igreja, quando de um de seus flancos dispararam
sobre mim, com mão certeira, alguns limões, um dois quais por pouco
me torna inábil
a mão que sustinha a rédea, em desabalada carreira galguei um
outeiro arenoso, de onde apreciei a escaramuça entre os meus amigos
e as encantadoras amazonas que se tinham entocaiado. Eram as filhas
do governador que, em seu
esconderijo bem municiado, aguardavam a nossa passagem. A refrega, se
nos ensopou, transmitiu-nos também boa dose de bom humor de nossas
adversárias. Até o nosso infortunado companheiro conseguiu perder a
negra sombra que lhe invadira a alma”.
Referencias:
DAMACENO, Athos. O carnaval porto-alegrense no século XIX.
Porto Alegre: Livraria do Globo, 1970.
No
Brasil, a folia anual é originaria do entrudo, festa pagã europeia
que chegou ao país com os colonizadores portugueses. Era realizado
entre famílias amigas ou pessoas conhecidas, ganhando mais tarde as
ruas, envolvendo desconhecidos, atingidos por baldes de água,
farinha, cinzas, lama, casas ficavam inundadas, passantes nas ruas
encharcados e todos, senhores, escravos, senhorinhas e mucamas, se
divertiam, foi proibida oficialmente e aos poucos incorporou
elementos como confete, a serpentina e limõezinhos de cera, cheios
de água perfumada.
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